O esquerdista Yamandú Orsi é o novo presidente do Uruguai
Yamandú Orsi consolidou o leve favoritismo apontado pelas pesquisas e foi eleito presidente do Uruguai. Assim, a histórica aliança entre partidos de esquerda e centro-esquerda, a Frente Ampla, retornará ao comando do país sul-americano após um intervalo de cinco anos sob gestão da centro-direita.
Com mais de 99% das urnas apuradas, a Corte Eleitoral indicava que Orsi conquistou 49,8% dos votos, enquanto o candidato governista Álvaro Delgado, do Partido Nacional, obteve 45,8%. A participação popular foi significativa, com 89,4% dos 2,7 milhões de eleitores registrados comparecendo às urnas.
Antes mesmo da oficialização pela Corte, o atual presidente, Luis Lacalle Pou, reconheceu a vitória de Orsi. Em uma publicação no X, informou ter ligado para o presidente eleito da Frente Ampla para iniciar o processo de transição, parabenizando-o. Álvaro Delgado, candidato derrotado, também admitiu o resultado.
Em discurso direcionado aos seus apoiadores, Delgado, um dos principais aliados de Lacalle Pou, afirmou que "é preciso respeitar a decisão soberana" e destacou que "hoje Yamandú tem a possibilidade de buscar acordos nacionais". Durante a campanha, Delgado havia sugerido que, caso vencesse, poderia convidar representantes da esquerda a compor sua Coalizão Republicana.
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), alinhado historicamente com a Frente Ampla, foi um dos primeiros líderes a comentar o resultado. Ele declarou que "essa é uma vitória de toda a América Latina e do Caribe" e ressaltou a expectativa de maior convergência entre os países do Mercosul.
A disputa eleitoral foi acirrada. As últimas pesquisas indicavam um empate técnico, com ligeira vantagem numérica para Orsi. Delgado, por sua vez, apostava em uma "maioria silenciosa" que, mesmo não manifestando apoio, votaria a seu favor. Cerca de 5% dos eleitores permaneciam indecisos até o fim.
Orsi assume o comando de um país com divisões claras, embora a polarização na região ainda não tenha atingido níveis que comprometam a coesão social. Ele contará com uma maioria apertada no Senado, mas enfrentará desafios na Câmara, onde nenhum partido conquistou uma posição majoritária.
A campanha foi marcada por baixa mobilização de ambos os lados, sem despertar grandes paixões, como se mudanças significativas não fossem esperadas. O próprio Orsi declarou que não implementaria nada "radical".
Aos 57 anos, Orsi, considerado um discípulo de José "Pepe" Mujica, foi governador de Canelones e professor de história. Ele coordenou a campanha de Daniel Martínez, candidato da Frente Ampla que perdeu a disputa presidencial em 2019.
Orsi assumirá a presidência em março do próximo ano, substituindo Lacalle Pou, um líder de centro-direita com índices de aprovação positivos. Ele terá de enfrentar desafios nas áreas de estabilidade econômica e combate ao narcotráfico, questões nas quais seus adversários o criticaram por suposta falta de competência.
Logo após a divulgação das primeiras pesquisas de boca de urna, apoiadores da Frente Ampla reunidos em Montevidéu comemoraram com entusiasmo. Nas proximidades da "rambla" da capital, bandeiras do Uruguai e da coalizão criada em 1971 foram agitadas, enquanto cânticos de celebração ecoavam.
Orsi e sua vice, Carolina Cosse, discursaram para a multidão, prometendo governar para todos os uruguaios. "Ganhou, outra vez, o país da liberdade e da igualdade", afirmou Orsi.
O governo de Lacalle Pou começou no início da pandemia de Covid-19, enfrentando grandes dificuldades sociais e econômicas. Além da crise sanitária, o país sofreu com a pior seca em sete décadas, o que afetou o crescimento econômico, que foi de apenas 0,4% em 2023.
O próximo presidente terá de lidar com o sistema político uruguaio, onde o chefe de Estado não dispõe de mecanismos como as medidas provisórias no Brasil e precisa negociar ativamente com o Congresso. Para isso, Orsi poderá tentar alinhar-se ao Cabildo Aberto, partido com perfil militar e conservador que integra a Coalizão Republicana mas já votou com a Frente no passado, ou buscar o apoio do Identidade Soberana, um partido pequeno e antissistema.
A Frente Ampla retornará ao poder com uma plataforma focada em sustentabilidade ambiental, incentivo a pequenos produtores e ampliação das políticas de inclusão social, marcas de seus governos entre 2005 e 2020. A segurança pública, no entanto, será um grande desafio. Durante os governos anteriores da Frente, a taxa de homicídios aumentou de 7,8 para 11,2 por 100 mil habitantes. Lacalle Pou conseguiu uma ligeira redução, para 10,7 em 2023, mas o tema segue como prioridade para os uruguaios.
Até o momento, suas alternativas se restringem a duas: conquistar o apoio eventual do Cabildo Aberto, partido de perfil militarista e focado em segurança, que faz parte da conservadora Coalizão Republicana mas que já apoiou a Frente Ampla em votações anteriores; ou, de forma inesperada, atrair o pequeno e recém-criado Identidade Soberana, um partido de caráter antissistema, para ceder seus dois votos à Frente na Câmara. Em ambos os casos, o caminho será desafiador.
Yamandú Orsi e seu adversário, Álvaro Delgado, eram percebidos como figuras de pouca expressividade pessoal. Apesar de críticas ocasionais ao longo da campanha, o episódio mais marcante envolveu um escândalo político ocorrido em março deste ano, envolvendo o agora presidente eleito.
Naquele momento, Romina Papasso, militante conhecida do Partido Nacional, acusou Orsi de ter cometido uma agressão contra uma prostituta em 2014. A suposta vítima, Paula Díaz, chegou a registrar uma denúncia formal.
Orsi refutou as acusações, que acabaram desmentidas quando Papasso e Díaz confessaram que tudo não passava de uma farsa. Como consequência, Papasso foi sentenciada a dois anos de prisão, enquanto Díaz recebeu uma pena de 1 ano e 8 meses em liberdade condicional.
Fonte: Folha de São Paulo